sábado, 26 de setembro de 2009

Como Cristo pode ser o único caminho para Deus?

William Lane Craig

Traduzido e adaptado por Leandro Teixeira

Muitas pessoas acreditam que todas as religiões são caminhos para Deus. Entretanto, o Cristianismo afirma que Jesus é o único caminho. É racional manter esta crença? Há vários obstáculos contra esta idéia. Por exemplo, milhões de pessoas nunca ouviram falar sobre Cristo. Elas estão condenadas ao inferno? Isto é justo? Por que Deus criaria um mundo em que ele sabia que inúmeras pessoas não ouviriam, ou não acreditariam no Evangelho e se perderiam? Ou, por que Deus não criou um mundo no qual todos livremente acreditassem no Evangelho e se salvassem? O filósofo William Lane Craig responde a estas perguntas neste artigo.

Introdução

Eu falei recentemente na principal universidade canadense sobre a existência de Deus. Depois da minha palestra, um ligeiramente enraivecido co-editor escreveu no seu cartão de comentários: “eu estava concordando contigo até que você expôs o conteúdo sobre Jesus. Deus não é o Deus cristão!”

Esta atitude é penetrante na cultura Ocidental hoje. A maioria das pessoas são felizes por concordar que Deus existe; mas em nossa sociedade pluralista é politicamente incorreto afirmar que Deus se revelou decisivamente em Jesus.

Mas isto é exatamente o que o Novo Testamento claramente ensina. Pegue as cartas do apóstolo Paulo, por exemplo. Ele convida os gentios convertidos a recordar os seus dias pré-cristãos: “Lembre que naquele tempo vocês estavam separados de Cristo, estrangeiros para a comunidade de Israel e estranhos aos pactos da promessa, não tendo nenhuma esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2.12). O objetivo dos capítulos de abertura da sua carta aos Romanos é mostrar que esta condição desolada é a situação geral da humanidade. Paulo explica que o poder e deidade de Deus são conhecidos pela ordem das coisas criadas ao nosso redor, de modo que os homens não têm desculpa (1.20), e Deus escreveu a Sua lei moral nos corações de todos os homens, de forma que eles são moralmente responsáveis perante Ele (2.15). Embora Deus ofereça a vida eterna a todos que responderem de um modo apropriado à revelação geral de Deus na natureza e consciência (2.7), o fato triste é que em lugar de adorar e servir ao seu Criador, as pessoas ignoram Deus e desconsideram a sua lei moral (1.21-32). Conclusão: Todos os homens estão debaixo do poder de pecado (3.9-12). Pior, Paulo explica que ninguém pode salvar a si mesmo por viver retamente (3.19-20). Felizmente, porém, Deus proveu um meio de fuga: Jesus Cristo morreu pelos pecados da humanidade, satisfazendo as necessidades da justiça de Deus e reconciliando-nos com Ele (3.21-6). Por meio da Sua morte reconciliadora, a salvação está disponível como um presente a ser recebido através da fé.

A lógica do Novo Testamento é clara: A universalidade do pecado e singularidade da morte reconciliadora de Cristo declara que não há nenhuma salvação fora de Cristo. Como proclamaram os apóstolos, “Não há salvação em ninguém mais, e não há nenhum outro nome debaixo de céu dado entre homens pelos quais nós devemos ser salvos” (Atos 4.12).

Esta doutrina particular foi da mesma maneira escandalosa no mundo politeísta do Império Romano quanto na cultura Ocidental contemporânea. Os primeiros cristãos foram submetidos a perseguições severas, tortura e morte por causa da sua rejeição em abraçar uma aproximação pluralista de religiões. Com o tempo, porém, como o Cristianismo cresceu até suplantar as religiões de Grécia e Roma e se tornou a religião oficial do Império Romano, o escândalo retrocedeu. Realmente, para pensadores medievais como de Agostinho e Aquino, um das marcas da verdadeira Igreja era sua catolicidade, quer dizer, sua universalidade. A eles parecia impossível que o grande edifício da Igreja Cristã, atingindo toda a civilização, fosse fundado em uma falsidade.

O abandono desta doutrina veio com a denominada “Expansão Européia”, a qual se refere aos três séculos de exploração e descoberta, de aproximadamente 1450 até 1750. Pelas viagens e navegações de homens como Marco Polo, Cristóvão Colombo e Ferdinand Magellan, foram descobertas novas civilizações e novos mundos inteiros que não conheciam nada da fé cristã. A realização que tanto expandiu as fronteiras mundiais do Cristianismo teve um impacto duplo no pensamento religioso das pessoas. Primeiro, tendeu a tornar relativas as convicções religiosas. Longe de ser a religião universal da humanidade, o Cristianismo foi limitado à Europa Ocidental, um canto do globo. Nenhuma religião particular, ao que parecia, poderia afirmar ter validade universal; cada sociedade parecia ter sua própria religião servindo a suas necessidades particulares. Segundo, a afirmação de que o Cristianismo é o único modo de salvação parece limitante e cruel. Os racionalistas do Iluminismo, como Voltaire, debocharam dos cristãos nos seus dias com o prospecto de milhões de chineses condenados ao inferno por não terem acreditado em Cristo, quando eles nem mesmo tinham ouvido falar de Cristo. Em nossos dias, a afluência em nações Ocidentais de imigrantes de colônias e os avanços nas telecomunicações serviram para ‘encolher’ o mundo em uma aldeia global, aumentando nossa consciência da diversidade religiosa da humanidade. Como resultado, o pluralismo religioso se torna hoje cada vez mais a sabedoria convencional.

O problema apresentado pela diversidade religiosa

Mas qual é, exatamente, o suposto problema apresentado pela diversidade religiosa da humanidade? E para quem isto é um suposto problema? Quando a pessoa ler esta publicação, o desafio recorrente parece ser posto no nível do particularista cristão. O fenômeno da diversidade religiosa parece ser insinuar a verdade do pluralismo e o debate principal procede então à pergunta de qual forma de pluralismo é o mais plausível. Mas por que pensar que particularismo cristão é insustentável face a diversidade religiosa? Qual parece ser exatamente o problema?

Quando a pessoa examinar os argumentos em defesa de pluralismo, a pessoa acha que muitos deles bem podiam ser exemplos em livros de ensino de falácias lógicas. Por exemplo, freqüentemente se afirma que é arrogante e imoral manter qualquer doutrina de particularismo religioso, porque a pessoa tem que considerar todas as pessoas que discordam com a religião desta pessoa como erradas. Isto parece ser um exemplo do livro de ensino da falácia lógica conhecida como ad hominem, argumento que tenta invalidar uma posição atacando o caráter dos que a defendem. Esta é uma falácia porque a verdade de uma posição é independente das qualidades morais dos que acreditam nela. Até mesmo se todos os particularistas cristãos fossem arrogantes e imorais, isso não faria nada para provar que a visão deles é falsa. Não só isto, mas por pensar que arrogância e imoralidade são condições necessárias para ser um particularista. Suponha que eu tenha feito tudo que podia para descobrir a verdade religiosa real e me convencem de que Cristianismo é verdade e assim eu abraço a fé cristã humildemente como um presente imerecido de Deus. Eu sou então arrogante e imoral por acreditar no que eu penso sinceramente que seja a verdade? Finalmente, e até mesmo mais fundamentalmente, esta objeção é uma espada de dois gumes. O pluralista também acredita que a visão dele é certa e que todos esses partidários para tradições religiosas particularísticas estão errados. Então, se manter uma visão de que muitos outros discordam significar que você é arrogante e imoral, então o próprio pluralista seria condenado de arrogância e imoralidade.

Ou para dar outro exemplo, é freqüentemente alegado que o particularismo cristão não pode estar correto porque crenças religiosas são culturalmente relativas. Por exemplo, se um crente cristão tivesse nascido no Paquistão, ele seria provavelmente um muçulmano. Então a crença dele no Cristianismo é falsa ou injustificada. Mas isto parece ser novamente um exemplo do livro de ensino de lógica que é chamado de falácia genética. Está-se tentando invalidar uma posição criticando o modo pelo qual uma pessoa veio ocupar aquela posição. O fato de que suas crenças dependem de onde e quando você nasceu não tem nenhuma relevância à verdade dessas convicções. Se você tivesse nascido na Grécia antiga, provavelmente teria acreditado que o sol orbita a Terra. Isso implica então que sua crença na Terra orbitar o sol é falsa ou injustificada? Evidentemente que não! E uma vez mais, o pluralista puxa o tapete debaixo dos seus próprios pés: por ter o pluralista nascido no Paquistão, então ele teria sido provavelmente um particularista religioso. Assim, na sua própria análise, o pluralismo é somente o produto de ele ter nascido numa recente sociedade Ocidental do século XX, e é então falso ou injustificado.

Assim, alguns dos argumentos contra o particularismo cristão freqüentemente encontrados em publicações são bem inexpressíveis. Estes realmente não são o problema. Não obstante, eu acho que quando estas objeções são respondidas por defensores do particularismo cristão, então a questão real tende a aparecer. Esta questão, eu acho, concerne ao destino dos incrédulos fora de sua própria tradição religiosa particular. O particularismo cristão consigna tais pessoas ao inferno, o que os pluralistas têm como inaceitável.

Mas qual é exatamente o suposto problema aqui? Qual é a dificuldade em se defender que a salvação está disponível somente através de Cristo? Supõe-se simplesmente que é a alegação de que um Deus amoroso não enviaria as pessoas para o inferno? Eu não penso assim. A Bíblia diz que Deus deseja a salvação de todo ser humano. ” O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se. ” (2 Pe. 3.9). Ou novamente, ” Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade. ” (1 Tim. 2.4). Assim Deus fala pelo profeta Ezequiel:

Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor DEUS; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva?” “Porque não tenho prazer na morte do que morre, diz o Senhor DEUS; convertei-vos, pois, e vivei.” ” Dize-lhes: Vivo eu, diz o Senhor DEUS, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho, e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por que razão morrereis, ó casa de Israel?” (Ez. 18.23,32; 33.11).

Aqui, Deus literalmente suplica que as pessoas retrocedam do seu caminho autodestrutivo e sejam salvos. Assim, de certo modo, o Deus bíblico não envia nenhuma pessoa ao inferno. O desejo dele é que todo mundo seja salvo, e Ele busca atrair todas as pessoas a Si. Se nós tomarmos uma decisão livre e bem informada de rejeitar o sacrifício de Cristo por nossos pecados, então Deus não tem nenhuma escolha a não ser dar o que nós merecemos. Deus não nos enviará ao inferno - mas nós nos enviaremos. Nosso destino eterno, assim, está em nossas próprias mãos. É um problema de nossa livre escolha onde nós gastaremos a eternidade. Então, os perdidos estão auto-condenados; eles se separam de Deus apesar de Deus fazer todos os esforços para salvá-los, e Deus se aflige com a perda deles.

Agora o pluralista poderia admitir que, dando liberdade aos humanos, Deus não pode garantir que todo o mundo seja salvo. Algumas pessoas poderiam se condenar livremente rejeitando a oferta da salvação de Deus. Mas, poderia discutir, seria injusto Deus condenar tais pessoas para sempre. Até mesmo pecados terríveis como esses dos torturadores nazistas nos campos de concentração merecem ainda só uma punição finita. Então, no máximo o inferno poderia ser um tipo de purgatório, durando uma quantidade apropriada de tempo para cada pessoa antes que ela fosse libertada e admitida no céu. Com o tempo, o inferno seria esvaziado e céu encheria. Assim, ironicamente, o inferno é incompatível, não com o amor de Deus, mas com a Sua justiça. As objeções carregadas de que Deus é injusto é porque a punição não é proporcional ao crime.

Mas, novamente, este não me parece ser o problema real. A objeção parece falha de pelo menos dois modos:

(1) a objeção equivoca-se entre todo pecado que nós cometemos e todos os pecados que nós cometemos. Nós poderíamos concordar que todo pecado individual que uma pessoa comete só merece uma punição finita. Mas não decorre disto que todos os pecados de uma pessoa tomados juntos, como um todo, mereça só uma punição finita. Se uma pessoa cometer um número infinito de pecados, então a soma total de todos os tais pecados merece punição infinita. Agora, claro que ninguém comete um número infinito de pecados na vida terrestre. Mas e a vida após a morte? Enquanto os habitantes do inferno continuam odiando Deus e O rejeitando, eles continuam a pecar e assim acumulam mais culpa e mais punição. Em um sentido real, então, o inferno está se auto-perpetuando. Neste caso, todo pecado tem uma punição finita, mas por pecar continuamente, assim também será a punição.

(2) por que pensar que todo pecado tem só uma punição finita? Nós poderíamos concordar que pecados como furtar, mentir, adulterar, e assim sucessivamente, só é de conseqüência finita e tão somente merece uma punição finita. Mas, de certo modo, estes pecados não são os que separam alguém de Deus. Cristo morreu para esses pecados; a penalidade para esses pecados foi liquidada. A pessoa só tem que aceitar o Cristo como Salvador para ser completamente livre e limpar desses pecados. Mas a rejeição em aceitar Cristo e seu sacrifício parece ser um pecado de uma ordem completamente diferente. Este pecado repudia a provisão de Deus para o pecado e tão decisivamente separa a pessoa de Deus e da Sua salvação. Rejeitar Cristo é rejeitar o próprio Deus. E levando em conta quem é Deus, este é um pecado de gravidade e proporção infinita e então plausivelmente merece punição infinita. Então, nós não deveríamos pensar no inferno principalmente como punição para o conjunto de pecados de conseqüência finita que nós cometemos, mas como a penalidade justa para um pecado de conseqüência infinita, isto é, a rejeição do próprio Deus.

Mas talvez o suposto problema seja que um Deus amoroso não enviaria as pessoas a inferno porque eles são desinformadas ou mal informadas sobre Cristo. Novamente, isto não me parece ser o coração do problema. De acordo com a Bíblia, Deus não julga as pessoas que nunca ouviram falar de Cristo com base na colocação de sua fé em Cristo. Deus os julga com base na luz da revelação geral de Deus na natureza e consciência que eles têm. A oferta de Romanos 2.7 “A vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, honra e incorrupção” é uma oferta de boa fé da salvação. Isto não é dizer que as pessoas podem ser salvas sem Cristo. Basta dizer que os benefícios da morte reconciliadora de Cristo poderiam ser aplicados às pessoas sem o conhecimento consciente de Cristo. Tais pessoas seriam semelhantes a certas pessoas mencionadas no Velho Testamento como Jó e Melquisedeque que não tiveram nenhum conhecimento consciente de Cristo e nem mesmo eram membros da família do pacto de Israel, mas que claramente desfrutavam de uma relação pessoal com Deus. Semelhantemente, poderia haver “Jós dos dias modernos” que vivem entre aquela percentagem da população do mundo que ainda tem que ouvir o Evangelho de Cristo.

Infelizmente, o testemunho do Novo Testamento, como nós vimos, é que as pessoas geralmente não alcançam nem mesmo padrões muito baixos da revelação geral. Porém há um pequeno fundamento de otimismo para estes muitos indivíduos, se muitos, que na verdade serão salvos só pela resposta deles à revelação geral. No entanto, o ponto restante é que a salvação é universalmente acessível, para qualquer um que nunca ouviu o Evangelho, pela revelação geral de Deus na natureza e consciência. Assim, o problema apresentado pela diversidade religiosa não pode ser simplesmente que Deus não condenaria pessoas que são desinformadas ou mal informadas sobre Cristo.

Me parece que o problema real é este: Se Deus é onisciente, então Ele sabe quem receberia o Evangelho livremente e quem não. Entretanto certas perguntas muito difíceis surgem:

(i) Por que Deus não trouxe o Evangelho a pessoas que Ele sabia que aceitariam se eles o ouvissem, embora rejeitem a luz da revelação geral que eles têm?

Ilustração: imagine um índio norte-americano que viveu antes da chegada dos missionários cristãos. Vamos chamá-lo de Urso Ambulante. Deixe-nos supor que Urso Ambulante olha os céus à noite e, vendo a beleza da natureza ao seu redor, sente que tudo isto foi feito pelo Grande Espírito. Além disso, Urso Ambulante olhando dentro do seu próprio coração, sente a lei moral lá, lhe falando que todos os homens são irmãos feitos pelo Grande Espírito, e ele percebe então que nós deveríamos viver amando uns aos outros. Mas suponha que em vez de adorar o Grande Espírito e viver amando os membros da raça humana, Urso Ambulante ignora o Grande Espírito e cria totens de outros espíritos e que ao invés de amar os membros da raça humana, ele vive em egoísmo e crueldade com os outros. Em tal caso, o Urso Ambulante seria antes justamente condenado por Deus, baseado no seu fracasso ao responder à revelação geral de Deus na natureza e consciência. Mas agora suponha que os missionários tivessem chegado, Urso Ambulante então teria acreditado no Evangelho e teria sido salvo! Neste caso sua salvação ou perdição parece ser resultado do azar. Por nenhuma falha própria sua, aconteceu de ele nascer em um tempo e lugar da história quando o Evangelho ainda estava indisponível. A condenação dele é moralmente correta; mas um Deus todo-amoroso permitiria que o destino eterno das pessoas dependesse de um acidente histórico e geográfico?

(ii) Mais fundamentalmente, por que Deus criou o mundo, quando Ele soube que tantas pessoas não acreditariam no Evangelho e se perderiam?

(iii) Até mesmo mais radicalmente, por que Deus não criou um mundo no qual todo o mundo livremente acreditasse no Evangelho e se salvasse?

O que o particularista cristão supostamente diria em resposta a estas perguntas? O Cristianismo faria Deus ser cruel e sem amor?

O problema analisado

Para responder estas perguntas, será útil examinar a estrutura lógica do problema mais de perto. O pluralista parece estar afirmando que é impossível Deus ser todo poderoso e todo-amoroso e existir algumas pessoas que nunca ouviram o Evangelho e estão perdidas, quer dizer, as instruções seguintes são logicamente incoerentes:

1. Deus é todo poderoso e todo-amoroso.

2. Algumas pessoas nunca ouviram o Evangelho e estão perdidas.

Mas agora nós precisamos perguntar, por que pensar que (1) e (2) são logicamente incompatíveis? Afinal de contas, não há nenhuma contradição explícita entre eles. Mas se o pluralista está afirmando que (1) e (2) são implicitamente contraditórios, ele tem que estar assumindo algumas premissas escondidas que serviriam para obter esta contradição e fazê-la explícita. A pergunta é, quais são essas premissas escondidas?

Eu tenho que dizer que eu nunca vi em uma publicação qualquer tentativa por parte de pluralistas religiosos de identificar essas suposições escondidas. Mas tentemos ajudar o pluralista um pouco. Parece-me que ele tem que estar assumindo algo como o seguinte:

3. Se Deus é todo-poderoso, Ele pode criar um mundo no qual todo o mundo ouve o Evangelho e é livremente salvo.

4. Se Deus é todo-amoroso, Ele prefere um mundo no qual todo o mundo ouve o Evangelho e é livremente salvo.

Daí, de acordo com (1), Deus é todo poderoso e todo-amoroso, segue que Ele pode criar um mundo de salvação universal e preferir tal mundo. Então tal mundo existe, em contradição com (2).

Agora ambas as premissas escondidas devem ser necessariamente verdade para a incompatibilidade lógica de (1) e (2) ser demonstrada. Então a pergunta é, estas suposições são necessariamente verdade?

Considere (3). Parece inegável que Deus pudesse criar um mundo no qual todo o mundo ouvisse o Evangelho. Mas tanto quanto as pessoas são livres, não há nenhuma garantia que todos em tal mundo seriam livremente salvos. Na realidade, não há nenhuma razão para pensar que a balança entre salvos e perdidos em tal mundo seria melhor que a balança do mundo real! É possível que em qualquer mundo de pessoas livres que Deus pudesse criar, algumas pessoas poderiam rejeitar livremente a graça salvadora Dele e se perder. Conseqüentemente, (3) não é necessariamente verdade, e assim o argumento do pluralista é falacioso.

Mas o que dizer a respeito do (4)? É necessariamente verdade? Vamos supor como hipótese que há possíveis mundos os quais são possíveis para Deus no qual todos que ouvem o Evangelho e o aceitam livremente. Deus está sendo todo-amoroso quando compelido a preferir um destes mundos a um mundo no qual algumas pessoas estão perdidas? Não necessariamente; os mundos que envolvem salvação universal poderiam ter outras deficiências que os fazem menos preferíveis. Por exemplo, suponha que os únicos mundos nos quais todos acreditassem livremente no Evangelho e são salvos são mundos com só um punhado de pessoas neles, digamos, três ou quatro. Se Deus fosse criar mais algumas pessoas, então pelo menos um deles teria rejeitado livremente a graça dele e teria se perdido. Ele tem que preferir um destes mundos escassamente povoados em detrimento de um mundo no qual multidões acreditam no Evangelho e são salvos, embora isso implique que aquelas outras pessoas rejeitem livremente a Sua graça e estejam perdidos? Isto de longe é óbvio. Tanto quanto Deus dá graça suficiente para a salvação de todas as pessoas que Ele cria, Deus não parece nenhum pouco menos amoroso por preferir um mundo mais populoso, embora isso signifique que algumas pessoas livremente resistiriam a todo Seu esforço para salvá-los e seriam condenados. Assim, a segunda suposição do pluralista também não é necessariamente verdade, de forma que o argumento dele revela-se ser duplamente falacioso.

Assim, nenhuma das assertivas do pluralista parece ser necessariamente verdade. A menos que o pluralista possa sugerir algumas outras premissas, nós não temos nenhuma razão para pensar que (1) e (2) são logicamente incompatíveis.

Mas nós podemos levar o argumento um pouco mais adiante. Nós podemos mostrar positivamente que é completamente possível que Deus seja todo-poderoso e todo-amoroso e que muitas pessoas nunca ouvirão o Evangelho e estarão perdidas. Tudo que nós temos que fazer é achar uma possível afirmação verdadeira compatível com o Deus todo-poderoso e todo-amoroso, a qual vincula que algumas pessoas nunca ouvirão o Evangelho e estão perdidas. Tal afirmação pode ser formulada? Vejamos.

Como um Deus bom e amoroso, Deus quer tantas pessoas quanto possível sejam salvas e tão poucas quanto possível sejam perdidas . A meta dele, então, é alcançar uma ótima balança entre estes, não criar nenhum perdido a mais do que é necessário para atingir certo número de salvos. Mas é possível que o mundo real (que inclui o futuro como também o presente e o passado) tenha tal uma balança. É possível que para criar muitas pessoas que serão salvas, Deus também teve que criar muitas pessoas que serão perdidas. É possível que Deus tenha criado um mundo no qual poucas pessoas vão para o inferno, e menos pessoas ainda tenham ido para o céu. É possível que para alcançar uma multidão de santos, Deus tenha que aceitar uma multidão de pecadores.

Poderia ser objetado que um Deus todo-amoroso não criaria pessoas que Ele sabia que iam ser perdidas, mas que teriam sido salvas se eles tivessem ouvido o Evangelho. Mas como nós sabemos que existem tais pessoas? É razoável assumir que muitas pessoas que nunca ouviram o Evangelho não teriam acreditado nele nem se eles tivessem ouvido. Suponha, então, que Deus ordenou o mundo tão providencialmente que todas as pessoas que nunca ouviram o Evangelho são precisamente tais pessoas. Neste caso, qualquer pessoa que nunca ouviu o Evangelho e está perdido teria rejeitado o Evangelho e teria se perdido até mesmo se ele tivesse o ouvido. Ninguém poderá estar diante de Deus no Dia de Julgamento e reclamar, “Certo, Deus, eu não respondi a sua revelação geral na natureza e consciência! Mas se eu tivesse ouvido o Evangelho, então eu teria acreditado!” Deus dirá, “Não, eu sei que até mesmo se você tivesse ouvido o Evangelho, não haveria acreditado nele. Então, meu julgamento acerca de ti baseado na natureza e consciência não é injusta nem desamorosa.

Assim, é possível que:

5. Deus criou um mundo no qual tem uma ótima balança de salvos e perdidos e esses que nunca ouviram o Evangelho e estão perdidos não teriam acreditado nem se eles o tivessem ouvido.

Tanto quanto (5) é mesmo possivelmente verdadeiro, isto mostra que não há nenhuma incompatibilidade entre um Deus todo-poderoso e amoroso e algumas pessoas que nunca ouvirão o Evangelho e estarão perdidas.

Nesta base, nós estamos agora preparados para oferecer possíveis respostas às três perguntas difíceis que incitaram este questionamento. Tomando-os em ordem inversa:

(i) Por que Deus não criou um mundo no qual todos livremente acreditem no Evangelho e sejam salvos?

Resposta: Pode não ser possível para Deus criar tal um mundo. Se tal um mundo fosse possível, Deus o teria criado. Mas dado que criou Suas criaturas livres, Deus teve que aceitar que alguns livremente O rejeitariam e todo o Seu esforço para os salvar, e se perderiam.

(ii) Por que Deus criou o mundo, se Ele soube que tantas pessoas não acreditariam no Evangelho e se perderiam?

Resposta: Deus quis repartir Seu amor e companheirismo com as pessoas criadas. Ele soube que isto significaria que muitos O rejeitariam livremente e se perderiam. Mas Ele também soube que muitos outros livremente receberiam a graça Dele e se salvariam. A felicidade e bem-aventurança desses que abraçariam livremente o Seu amor não deveriam ser impedidas por esses que livremente O rejeitariam. Pessoas que livremente rejeitariam Deus e o Seu amor não deveriam, em efeito, manter um tipo de poder de veto sobre quais mundos Deus é livre para criar. Na Sua misericórdia Deus ordenou providencialmente o mundo para alcançar uma ótima balança entre salvos e perdidos, maximizando o número desses que livremente O aceitam e minimizando o número desses que não vão.

(iii) Por que Deus não trouxe o Evangelho a pessoas que Ele sabia que aceitariam se eles o ouvissem, embora rejeitem a luz da revelação geral que eles têm?

Resposta: Não existem tais pessoas. Deus, na Sua providência, organizou o mundo de modo que esses que responderiam ao Evangelho se eles o ouvissem, ouçam. O Deus soberano ordena a história humana assim como espalhou o Evangelho no primeiro século na Palestina, Ele coloca as pessoas em caminhos que crerão se eles ouvirem. Uma vez que o Evangelho alcance as pessoas, Deus providencialmente coloca lá pessoas que Ele sabe que responderiam se ouvissem. No Seu amor e misericórdia, Deus assegura que ninguém que cresse no Evangelho se o ouvisse nascesse em um tempo e lugar da história onde eles não ouviriam. Esses que não respondem à revelação geral de Deus na natureza e consciência e que nunca ouviram o Evangelho não responderiam a ele se o ouvissem. Conseqüentemente, ninguém está perdido por causa de um acidente histórico ou geográfico. Qualquer um que quer ou até mesmo quisesse se salvar será salvo.

Estas são possíveis respostas às perguntas que nós expusemos. Mas tanto quanto elas são até mesmo possíveis, elas mostram que não há nenhuma incompatibilidade entre o fato de Deus ser todo-poderoso e todo-amoroso e o fato de algumas pessoas que nunca ouviram o Evangelho e estão perdidas. Além disso, estas respostas são atraentes porque eles também parecem ser totalmente bíblicas. Na praça onde os filósofos atenienses se juntavam no Aerópago, Paulo declarou:

O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; Nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas; E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação; Para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que não está longe de cada um de nós” (Atos 17.24-27).

Isto soa precisamente como as conclusões para as quais eu cheguei por reflexão puramente filosófica!

Agora o pluralista poderia conceder a compatibilidade lógica de Deus ser todo-poderoso e todo-amoroso com o fato de existir algumas pessoas nunca ouviram o Evangelho e estão perdidas, mas insistir que estes dois fatos são, no entanto, improváveis com respeito um ao outro. As pessoas parecem crer na religião da cultura na qual elas são criadas. Mas neste caso, poderia discutir o pluralista, é altamente provável que se muitos desses que nunca ouviram o Evangelho tivessem sido criados em uma cultura cristã, eles teriam acreditado no Evangelho e se salvado. Assim, a hipótese que nós oferecemos é altamente improvável.

Agora, realmente, seria fantasticamente improvável que só a coincidência provasse que todas aquelas pessoas que nunca ouviram o Evangelho e estão perdidas são pessoas que não teriam acreditado no Evangelho nem se eles o tivessem ouvido. Mas essa não é a hipótese. A hipótese é que um Deus providente organizou o mundo assim. Dado um Deus dotado do conhecimento de como toda pessoa responderia livremente à graça dele em quaisquer circunstâncias que Ele a pudesse colocar, não é improvável que Deus ordenou o mundo do modo descrito. Tal mundo exteriormente não aparentaria ser diferente de qualquer mundo no qual as circunstâncias do nascimento de uma pessoa são um problema de casualidade. O particularista pode concordar que as pessoas geralmente adotam a religião da sua cultura e que se muitos desses nascidos em culturas não-cristãs tivessem nascido em uma sociedade cristã, eles teriam sido cristãos nominalmente ou culturalmente. Mas isso não quer dizer que eles teriam sido salvos. É um simples fato empírico que não há nenhuma característica psicológica ou sociológica distintiva entre pessoas que se tornam cristãos e pessoas que não o fazem. Não há nenhum modo de prever com precisão, examinando uma pessoa, se e debaixo de que circunstâncias ela creria em Cristo para salvação. Uma vez que um mundo providencialmente organizado por Deus pareceria exteriormente idêntico a um mundo no qual o nascimento é um problema de acidente histórico e geográfico, é difícil ver como a hipótese que eu defendi pode ser julgada improvável, separadamente da uma demonstração que a existência de um Deus dotado de tal conhecimento é improvável. E eu não conheço nenhuma objeção convincente.

Concluindo, então, os pluralistas não puderam mostrar alguma inconsistência lógica no particularismo cristão. Pelo contrário, nós conseguimos provar que tal posição é logicamente coerente. Mais que isto, eu penso que tal visão não só é bem possível, mas plausível. Então o fato da diversidade religiosa da humanidade não arruína o Evangelho cristão da salvação só por Cristo.

Na realidade, para esses de nós que são cristãos, eu penso que o que eu disse ajuda a colocar a perspectiva adequada nas missões cristãs: é nossa obrigação moral como cristãos proclamar o Evangelho para o mundo inteiro, confiando naquele Deus que tem organizado as coisas tão providencialmente, que por nós as Boas Novas virão a pessoas que Deus sabe que aceitariam se as ouvissem. Nossa compaixão para esses em outras religiões mundiais é expressada, não fingindo que eles não estão perdidos sem Cristo, mas ajudando e fazendo todo esforço para comunicar a eles a mensagem vivificante de Cristo.

E para esses de nós que não são cristãos ainda, precisam se perguntar: “eu estou aqui, hoje, meramente por acidente? Foi só por acaso que eu ouvi esta mensagem? Não há nenhum propósito ou razão para o qual estou aqui? Ou poderia ser que Deus, na Sua providência, me trouxe aqui e por meu próprio livre arbítrio ouvir as Boas Novas do Seu amor e perdão que Ele oferece a mim por Cristo? Nesse caso, então, como eu responderei? Ele me deu uma oportunidade; eu me ajudarei ou darei as costas mais uma vez a Ele?” A decisão é sua.

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