Tradução: Djair Dias Filho
Cinco razões são apresentados para se pensar que críticos que aceitam a credibilidade histórica dos relatos sobre Jesus, no Evangelho, não possuem um especial ônus da prova relativo aos críticos mais céticos. Em seguida, a historicidade de alguns aspectos específicos da vida de Jesus é abordada, incluindo Seu próprio conceito radical de ser o divino Filho de Deus, Seu papel como realizador de milagres e Sua ressurreição dentre os mortos.
No último texto, vimos que os documentos do Novo Testamento são as fontes históricas mais importantes para Jesus de Nazaré. Os chamados evangelhos apócrifos são falsificações que surgiram muito depois e são, na maior parte, elaborações a partir dos Quatro Evangelhos do Novo Testamento.
Isso não significa que não existem fontes além da Bíblia que se referem a Jesus. Existem. Faz-se referência a Ele em escritos pagãos, judaicos e cristãos, todos fora do Novo Testamento. O historiador judeu Josefo é especialmente interessante. Nas páginas de suas obras, pode-se ler sobre personagens neotestamentárias como os sumos sacerdotes Anás e Caifás, o governador romano Pôncio Pilatos, o rei Herodes, João Batista, e até mesmo o próprio Jesus e seu irmão Tiago. Tem havido, também, interessantes descobertas arqueológicas igualmente reportando-se aos Evangelhos. Por exemplo, em 1961, a primeira evidência arqueológica concernente a Pilatos foi desenterrada na cidade de Cesaréia; era uma inscrição de uma dedicação contendo o nome e o título de Pilatos. Ainda mais recentemente, em 1990, o verdadeiro túmulo de Caifás, o sumo sacerdote que presidiu ao julgamento de Jesus, foi descoberto ao sul de Jerusalém. Realmente, o túmulo sob a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém é, com toda probabilidade, o túmulo em que o próprio Jesus foi colocado por José de Arimatéia, após a crucificação. De acordo com Luke Johnson, estudioso neotestamentário da Universidade Emory,
Até mesmo o historiador mais crítico pode confiantemente afirmar que um judeu chamado Jesus viveu como um mestre e operador de milagres na Palestina, durante o reinado de Tibério, foi executado por crucificação sob o prefeito Pôncio Pilatos e continuou a ter seguidores após sua morte.1
Ainda assim, se queremos quaisquer detalhes sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, devemos nos voltar para o Novo Testamento. Fontes extrabíblicas confirmam o que lemos nos Evangelhos, mas não nos dizem realmente algo novo. A questão, portanto, deve ser: quão confiáveis historicamente são os documentos do Novo Testamento?
Ônus da prova
Aqui, confrontamos a questão crucial do ônus da prova. Deveríamos supor que os Evangelhos são confiáveis a menos que sejam provados como não confiáveis? Ou deveríamos supor que os Evangelhos não são confiáveis até que sejam provados como confiáveis? Eles são inocentes até que se prove serem culpados ou culpados até que se prove serem inocentes? Os estudiosos céticos quase sempre supõem que os Evangelhos são culpados até que se prove serem inocentes, isto é, consideram que os Evangelhos não são confiáveis a menos e até que se prove que estão corretos quanto a algum fato particular. Não estou exagerando: esse é realmente o procedimento dos críticos céticos.
Mas eu quero listar cinco razões de por que eu penso que deveríamos supor que os Evangelhos são confiáveis até que se prove estarem errados:
1. Não houve tempo suficiente para influências lendárias eliminarem os fatos históricos. O intervalo de tempo entre os próprios eventos e o registro deles nos Evangelhos é muito curto para ter permitido que a memória do que tinha ou não acontecido realmente fosse apagada.
2. Os Evangelhos não são análogos a contos de fada ou “lendas urbanas” contemporâneas. Contos como os de Paul Bunyan e Pecos Bill ou lendas urbanas contemporâneas como a do “caroneiro fantasma” raramente concernem a indivíduos históricos individuais e são, assim, não análogos às narrativas evangélicas.
3. A transmissão judaica de tradições sagradas era altamente desenvolvida e confiável. Em uma cultura oral como aquela da Palestina do século I, a habilidade de memorizar e reter longos tratados de tradição oral era altamente prezada e desenvolvida. Desde pequenas, as crianças no lar, no ensino primário, e na sinagoga eram ensinadas a memorizar fielmente a tradição sagrada. Os discípulos teriam exercitado cuidado semelhante com os ensinos de Jesus.
4. Havia significantes restrições ao embelezamento de tradições sobre Jesus, como, por exemplo, a presença de testemunhas oculares e a supervisão dos apóstolos. Uma vez que aqueles que tinham visto e ouvido Jesus continuaram a viver e a tradição sobre Jesus permaneceu sob a supervisão dos apóstolos, esses fatores atuariam como uma verificação natural às tendências a elaborar os fatos em uma direção contrária à preservada por aqueles que tinham conhecido Jesus.
5. Os escritores dos Evangelhos tinham um comprovado registro de confiabilidade histórica.
Não tenho tempo suficiente para falar sobre todos esses pontos. Então, deixe-me dizer algo sobre o primeiro e o último.
1. Não houve tempo suficiente para influências lendárias eliminarem os fatos históricos. Nenhum estudioso moderno pensa nos Evangelhos como mentiras descaradas, o resultado de uma conspiração em massa. O único lugar em que se pode encontrar tais teorias da conspiração é em literatura sensacionalista popular ou em antiga propaganda por detrás da Cortina de Ferro. Quando se lêem as páginas do Novo Testamento, não há dúvida de que aquelas pessoas sinceramente acreditavam na verdade do que proclamavam. Em vez disso, desde o tempo de D. F. Strauss, estudiosos céticos têm explicado os Evangelhos como lendas. Como a brincadeira do telefone sem-fio, enquanto as histórias sobre Jesus foram transmitidas ao longo das décadas, elas foram desordenadas e exageradas e mitologizadas, até que os fatos originais fossem todos perdidos. O sábio andarilho judeu foi transformado no divino Filho de Deus.
Um dos principais problemas com a hipótese da lenda, contudo, que quase nunca é endereçado por críticos céticos, é que o tempo entre a morte de Jesus e a redação dos Evangelhos é simplesmente muito curto para que isso acontecesse. Esse ponto foi bem explicado por A. N. Sherwin-White, em seu livro Roman Society and Roman Law in the New Testament2 [Sociedade Romana e Lei Romana no Novo Testamento]. O doutor Sherwin-White não é teólogo; ele é um historiador profissional sobre as épocas anteriores e contemporâneas a Jesus. De acordo com Sherwin-White, as fontes para a história romana e grega são freqüentemente tendenciosas e deslocadas uma ou duas gerações ou mesmo séculos em relação aos eventos que registram. Apesar disso, diz ele, os historiadores reconstroem com confiança o curso da história romana e grega. Por exemplo, as duas mais primitivas biografias de Alexandre Magno foram escritas por Ariano e Plutarco mais de quatrocentos anos depois da morte de Alexandre, e mesmo assim os historiadores clássicos ainda as consideram como fidedignas. As fabulosas lendas sobre Alexandre Magno não se desenvolveram até os séculos após esses dois escritores. De acordo com Sherwin-White, os escritos de Heródoto nos permitem determinar a velocidade com que a lenda se acumula, e os testes mostram que mesmo duas gerações é duração de tempo muito curta para permitir que tendências lendárias destruam o núcleo de fatos históricos. Quando o doutor Sherwin- White se volta para os Evangelhos, ele declara que, para que os Evangelhos sejam lendas, a velocidade de acúmulo lendário teria de ser “inacreditável”. Mais gerações seriam necessárias.
De fato, adicionar-se um espaço de tempo de duas gerações à morte de Jesus leva ao século II, bem quando os Evangelhos apócrifos começam a aparecer. Eles contêm todos os tipos de histórias fabulosas sobre Jesus, tentando preencher os anos entre Sua infância e o começo de Seu ministério, por exemplo. Essas são as lendas óbvias procuradas pelos críticos, não os Evangelhos bíblicos.
Esse ponto se torna ainda mais devastador para o ceticismo quando recordamos que os próprios Evangelhos usam fontes que remontam a ainda mais perto aos eventos da vida de Jesus. Por exemplo, a história do sofrimento e morte de Jesus, comumente chamado de a História da Paixão, foi provavelmente não originalmente escrito por Marcos. Em vez disso, Marcos usou uma fonte para essa narrativa. Uma vez que Marcos é o Evangelho mais primitivo, sua fonte deve ser mais primitiva ainda. De fato, Rudolf Pesch, alemão especialista em Marcos, diz que a fonte da Paixão deve remontar a, pelo menos, 37 A.D., apenas sete anos após a morte de Jesus3.
Ou, novamente, Paulo, em suas cartas, transmite informações concernentes a Jesus sobre Seu ensino, Sua Última Ceia, Sua traição, crucificação, sepultamento e aparições da ressurreição. As cartas de Paulo foram escritas até mesmo antes dos Evangelhos, e algumas de suas informações, como, por exemplo, o que transmite em sua primeira carta à igreja de Corinto sobre as aparições da ressurreição [I Co 15:3-8], têm sido datadas dentro dos cinco anos após a morte de Jesus. Torna-se simplesmente irresponsável falar de lendas em tais casos.
5. Os escritores dos Evangelhos tinham um comprovado registro de confiabilidade histórica. Novamente, tenho tempo somente para observar um exemplo: Lucas. Lucas foi o autor de uma obra em duas partes: o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos. Estes são, na verdade, uma só obra, e são separados em nossas Bíblias somente porque a igreja agrupou em conjunto os Evangelhos no Novo Testamento. Lucas é o escritor evangélico que escreve mais autoconscientemente como historiador. No prefácio a sua obra, ele escreve:
Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio, e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio; para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado.
Este prefácio está escrito em terminologia do grego clássico como a que era usada por historiadores gregos; depois disso, Lucas muda para um grego mais comum. Mas ele colocou em alerta seu leitor de que ele pode escrever, se desejasse fazê-lo, como um erudito historiador. Ele fala de sua extensa investigação da história que está prestes a contar e assegura-nos de que é baseada em informações de testemunhas oculares e está de acordo com a verdade.
Ora, quem era esse escritor que chamamos de Lucas? Ele, claramente, não era testemunha ocular da vida de Jesus. Mas descobrimos sobre ele um fato importante, a partir do livro de Atos. Iniciando no capítulo dezesseis de Atos, quando Paulo chega a Trôade, na moderna Turquia, o autor repentinamente começa a usar a primeira pessoa do plural: “navegando de Trôade, fomos em linha reta para a Samotrácia”, “de lá fomos para Filipos”, “saímos da cidade para a beira do rio, onde julgávamos haver um lugar de oração”, etc. A explicação mais óbvia é que o autor se unira a Paulo em sua viagem evangelística pelas cidades mediterrâneas. No capítulo 21, ele acompanha Paulo de volta à Palestina e, finalmente, a Jerusalém. Isso significa que o escritor de Lucas-Atos estava, na realidade, em contato direto com as testemunhas oculares da vida e ministério de Jesus em Jerusalém. Críticos céticos têm feito acrobacias para evitar essa conclusão. Dizem que o uso de primeira pessoa do plural em Atos não deveria ser tomado literalmente; é apenas um dispositivo literário comum nas histórias antigas de viagens marítimas. Não tem importância muitas das passagens em Atos não serem sobre viagens marítimas de Paulo, mas ocorrerem em terra! O ponto mais importante é que essa teoria, quando verificada, transforma-se em pura fantasia.4 Simplesmente, não havia qualquer dispositivo literário de viagens marítimas em primeira pessoa do plural — tem-se mostrado que tudo isso não passa de ficção acadêmica! Não há como evitar a conclusão de que Lucas-Atos foi escrito por um viajante companheiro de Paulo que teve a oportunidade de entrevistar testemunhas oculares da vida de Jesus enquanto ele esteve em Jerusalém. Quem eram algumas dessas testemunhas? Talvez, podemos ter alguma sugestão ao subtrair do Evangelho de Lucas tudo que é encontrado nos outros evangelhos, e ver o que é peculiar a Lucas. O que se descobre é que muitas das narrativas peculiares a Lucas são conectadas a mulheres que seguiram Jesus: pessoas como Joana e Suzana e, significativamente, Maria, mãe de Jesus.
Seria o autor confiável, tendo obtido os fatos diretamente? O livro de Atos nos permite responder decisivamente a essa questão. O livro de Atos sobrepõe-se significativamente com a história secular do mundo antigo, e a exatidão histórica de Atos é indiscutível. Isso foi recentemente demonstrado, novamente, por Colin Hemer, estudioso clássico que se voltou para os estudos neotestamentários, em seu livro The Book of Acts in the Setting of Hellenistic History [O Livro de Atos no Contexto da História Helenística].5 Hemer vasculha o livro de Atos com um pente fino, tirando dele uma riqueza de conhecimento histórico, percorrendo desde o que seria conhecimento comum até detalhes que somente uma pessoa local saberia. Incessantemente, a precisão de Lucas é demonstrada: desde as navegações da frota alexandrina ao terreno costeiro das ilhas mediterrâneas até os peculiares títulos oficiais locais, Lucas está correto. De acordo com o professor Sherwin-White, “para Atos, a confirmação de historicidade é esmagadora. Qualquer tentativa de rejeitar sua historicidade básica, mesmo em questões de detalhe, agora parece absurda”6. O julgamento de Sir William Ramsay, o mundialmente famoso arqueólogo, ainda permanece: “Lucas é historiador de primeira categoria… Esse autor deveria ser colocado ao lado dos maiores dentre os historiadores”7. Dado o cuidado de Lucas e a demonstrada confiabilidade, bem como o contato dele com testemunhas oculares dentro da primeira geração após os eventos, esse escritor é fidedigno.
Com base nas cinco razões que listei, temos justificativas para aceitar a confiabilidade histórica do que os Evangelhos afirmam sobre Jesus, a menos que sejam provados como errados. No mínimo, não podemos pressupor que são errados até que sejam provados corretos. A pessoa que nega a confiabilidade dos Evangelhos deve levar o ônus da prova.
Aspectos específicos da vida de Jesus
Ora, pela própria natureza do argumento, será impossível dizer muito mais além do que isso para provar que certas histórias nos Evangelhos são historicamente verdadeiras. Como se pode provar, por exemplo, a história da visita de Jesus a Maria e Marta? Tem-se aqui uma história contada por um autor confiável, em posição de saber e sem razões para duvidar da historicidade da narrativa. Não há muito mais a dizer.
Entretanto, para muitos dentre os eventos-chave nos Evangelhos, muito mais pode ser dito. O que eu gostaria de fazer no momento é empregar alguns importantes aspectos de Jesus nos Evangelhos e falar algo a respeito da credibilidade histórica deles.
1. O autoconceito radical de Jesus como Filho de Deus. Críticos radicais negam que o Jesus histórico pensou acerca de Si mesmo como o divino Filho de Deus. Dizem que, após a morte de Jesus, a igreja primitiva reivindicou que ele dissera tais coisas, conquanto não o tivesse.
O grande problema com essa hipótese é que é inexplicável como judeus monoteístas poderiam ter atribuído divindade a um homem que conheceram, se ele jamais tivesse, por si mesmo, reivindicado qualquer dessas coisas. O monoteísmo é a essência da religião judaica, e seria blasfemo dizer que um ser humano era Deus. Porém, é precisamente o que os cristãos mais primitivos proclamavam e acreditavam sobre Jesus. Tal afirmação deve estar enraizada no próprio ensinamento de Jesus.
E, na realidade, a maioria dos estudiosos acredita que, entre as palavras historicamente autênticas de Jesus — essas são as palavras que nos evangelhos que o Jesus Seminar imprimiria em vermelho —, há afirmações que revelam a autocompreensão divina que Ele tinha. Alguém pode fazer uma palestra inteira somente sobre esse ponto; mas permita-me focalizar no autoconceito de Jesus como sendo o divino e singular Filho de Deus.
A radical autocompreensão de Jesus é revelada, por exemplo, em Sua parábola dos ímpios lavradores da vinha. Mesmo estudiosos céticos admitem a autenticidade dessa parábola, já que também é encontrada no Evangelho de Tomé, uma das fontes favoritas deles. Nessa parábola, o proprietário da vinha envia servos aos lavradores da vinha para colherem o fruto dela. A vinha simboliza Israel, o proprietário é Deus, os lavradores são os líderes religiosos judeus, e os servos são profetas enviados por Deus. Os lavradores espancaram e rejeitaram os servos do proprietário. Finalmente, o proprietário diz: “Mandarei meu filho amado, unigênito. A ele ouvirão”. Em vez disso, os lavradores mataram o filho, porque ele era o herdeiro da vinha. Ora, o que essa parábola nos diz sobre a autocompreensão de Jesus? Ele pensava de Si mesmo como o especial filho de Deus, distinto de todos os profetas, o mensageiro último de Deus, e mesmo o herdeiro de Israel. Esse não era um mero andarilho judeu!
A autoconcepção de Jesus como filho de Deus tem expressão explícita em Mateus 11.27: “Todas as coisas me foram entregues pelo Pai; e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. Novamente, há bons motivos para se considerar este como um autêntico dito do Jesus histórico. É retirado de uma antiga fonte que era compartilhada por Mateus e Lucas, chamada por estudiosos de documento Q. Ademais, é improvável que a Igreja inventou esse dito, porque diz que o Filho é incognoscível — “ninguém conhece o Filho, senão o Pai” —, mas para a Igreja pós-Páscoa nós podemos conhecer o Filho. Então, esse dito não é o produto de teologia tardia da Igreja. O que ele nos diz sobre a autoconcepção de Jesus? Ele pensava de Si mesmo como o exclusivo e absoluto Filho de Deus e a única revelação de Deus à humanidade! Não se engane: se Jesus não era quem disse ser, era ela mais louco do que David Koresh e Jim Jones juntos8!
Por último, quero considerar mais um dito de Jesus, quando falou sobre a data de Sua segunda vinda em Marcos 13.32. “Quanto, porém, ao dia e à hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu nem o Filho, senão o Pai”. Esse é um autêntico dito do Jesus histórico, pois a igreja posterior, que considerava Jesus como divino, jamais teria inventado um dito atribuindo conhecimento limitado ou ignorância a Jesus. Mas aqui Jesus diz que não sabia do tempo de Seu retorno. Então, o que aprendemos dessa afirmação? Ela não somente revela a consciência de Jesus de ser o único Filho de Deus, mas apresenta-nos com uma escala ascendente, a partir dos homens até os anjos, passando pelo Filho até o Pai, uma escala em que Jesus transcende qualquer ser humano ou angelical. Isso é realmente incrível! Porém, é nisso que o Jesus histórico acreditava. E essa é apenas uma faceta da autocompreensão de Jesus. C. S. Lewis estava certo, quando disse:
Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático — no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido — ou então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passou de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la.9
2. Os milagres de Jesus. Mesmo os críticos mais céticos não podem negam que o Jesus histórico realizou ministério de operação de milagres e exorcismo. Rudolf Bultmann, um dos estudiosos mais céticos que este século pôde ver, escreveu em 1926:
A maioria das histórias de milagres contidos nos Evangelhos é lendária, ou ao menos vestida com lendas. Mas não pode haver dúvida de que Jesus fez tais obras, que eram, no entendimento dele e de seus contemporâneos, milagres, isto é, ações resultantes de causalidade divina, sobrenatural. Sem dúvida, ele curou os doentes e expulsou demônios.10
Na época de Bultmann, pensava-se que as histórias de milagres foram influenciadas por histórias de heróis mitológicos e, portanto, ao menos em parte eram lendárias. Mas, atualmente, reconhece-se que a hipótese de influência mitológica estava historicamente incorreta. Craig Evans, conhecido estudioso sobre Jesus, diz que a “noção antiga” de que as histórias de milagres foram produto de ideias de homens caracterizadas pelo mitológico “tem sido amplamente abandonada”11. Ele diz: “Não mais se contesta seriamente que os milagres tiveram um papel no ministério de Jesus”. A única razão que resta para negar que Jesus realizou milagres literais é a pressuposição do antissobrenaturalismo, que é simplesmente injustificada.
3. O julgamento e crucificação de Jesus. De acordo com os Evangelhos, Jesus foi condenado pela suprema corte judaica, sob acusação de blasfêmia, e então entregue aos romanos para execução, por Seu ato de traição ao colocar-Se como Rei dos Judeus. Esses fatos não são confirmados somente por fontes bíblicas independentes como Paulo e os Atos dos Apóstolos, mas também por fontes extrabíblicas. De Josefo e Tácito, aprendemos que Jesus foi crucificado pelas autoridades romanas sob sentença de Pôncio Pilatos. De Josefo e Mara bar Serapião, aprendemos que os líderes judeus fizeram acusação formal contra Jesus e participaram dos eventos que O levaram à crucificação. E do Talmude Babilônico, Sinédrio 43a, aprendemos que o envolvimento judeu no julgamento era explicado como a atitude adequada contra um herege. Conforme Johnson, “o apoio para o modo de sua morte, seus agentes, e talvez coagentes, é esmagador: Jesus encarou julgamento antes de sua morte, foi condenado e executado por crucificação”12. A crucificação de Jesus é reconhecida até mesmo pelo Jesus Seminar como “fato indiscutível”13.
Mas isso levanta uma questão muito enigmática: por que Jesus foi crucificado? Como vimos, a evidência indica que Sua crucificação foi instigada por causa de Suas afirmações blasfemas, que para os romanos soariam como traidoras. É por isso que Ele foi crucificado, nas palavras da plaqueta que foi pregada à cruz, acima de Sua cabeça, como “O Rei dos Judeus”. Mas se Jesus fosse apenas um andarilho, um filósofo cínico, apenas um liberal contestador social, como afirma o Jesus Seminar, então Sua crucificação se torna inexplicável. Como o doutor Leander Keck, da Universidade Yale, disse: “A ideia de que esse cínico judeu (e seus doze hippies), com seu comportamento e aforismos, era uma séria ameaça à sociedade soa mais como presunção de acadêmicos alienados do que sólido julgamento histórico”14. O estudioso de Novo Testamento John Meier é igualmente direto. Ele diz que um insosso Jesus que saía falando parábolas e dizendo às pessoas para olharem os lírios do campo — “tal Jesus”, ele diz, “não ameaçaria ninguém, assim como professores universitários que o criam não ameaçam ninguém”15. O Jesus Seminar criou um Jesus que é incompatível com o fato indiscutível de Sua crucificação.
4. A ressurreição de Jesus. Parece-me que há quatro fatos estabelecidos que constituem evidência indutiva para a ressurreição de Jesus:
Fato 1: Após a crucificação, Jesus foi sepultado por José de Arimatéia no túmulo. Esse fato altamente considerável, pois significa que o local do túmulo de Jesus era conhecido por judeus e cristãos, indistintamente. Nesse caso, torna-se inexplicável como a crença em Sua ressurreição poderia surgir e florescer diante de um túmulo contendo Seu cadáver. De acordo com o falecido John A. T. Robinson, da Universidade de Cambridge, o honrável sepultamento de Jesus é um dos “mais primitivos e mais bem atestados fatos sobre Jesus”16.
Fato 2: Na manhã de domingo seguinte à crucificação, o túmulo de Jesus foi encontrado vazio por um grupo de seguidoras. De acordo com Jakob Kremer, especialista austríaco na ressurreição, “de longe, a maioria dos exegetas sustentam firmemente a confiabilidade das afirmações bíblicas concernentes ao túmulo vazio”17. Como indica D. H. van Daalen, “é extremamente difícil objetar ao túmulo vazio com bases históricas; aqueles que o negam, fazem-no com base em suposições teológicas ou filosóficas”18.
Fato 3: Em múltiplas ocasiões e em variadas circunstâncias, diferentes indivíduos e grupos de pessoas tiveram experiências de aparições de Jesus vivo dentre os mortos. Esse é um fato quase universalmente reconhecido entre estudiosos de Novo Testamento, atualmente. Mesmo Gerd Lüdemann, talvez o mais proeminente crítico atual da ressurreição, admite: “Pode-se tomar como historicamente certo que Pedro e os discípulos tiveram experiências após a morte de Jesus nas quais Jesus apareceu a eles como o Cristo ressurreto”19.
Por último, o fato 4: os discípulos acreditavam que Jesus fora ressuscitado dentre os mortos, a despeito de terem todos os motivos para não crer. Apesar de terem toda a predisposição para o contrário, é fato histórico inegável que os discípulos originais criam em, proclamavam e estavam dispostos a morrerem por causa da ressurreição de Jesus. C. F. D. Moule, da Universidade de Cambridge, conclui que temos, nesse caso, uma crença a qual nada, em termos de influências históricas prévias, pode explicar — exceto a própria ressurreição20.
Portanto, qualquer historiador responsável que procura dar explicações ao assunto deve lidar com esses quatro fatos independentemente estabelecidos: o honrável sepultamento de Jesus, a descoberta de Seu túmulo vazio, Suas aparições como vivo, após a morte, e a própria origem da crença dos discípulos em Sua ressurreição e, portanto, do próprio Cristianismo. Quero enfatizar que esses quatro fatos representam não as conclusões de estudiosos conservadores — nem citei estudiosos conservadores —, mas representam, pelo contrário, a visão majoritária da erudição neotestamentária, atualmente. A questão é: como melhor se explicam esses fatos?
Ora, isso coloca o crítico cético em uma situação um tanto quanto desesperadora. Por exemplo, algum tempo atrás, tive um debate com certo professor da Universidade da Califórnia, Irvine, acerca da historicidade da ressurreição de Jesus. Ele havia escrito sua dissertação doutoral sobre o assunto e estava meticulosamente familiarizado com as evidências. Ele não poderia negar os fatos do honrável sepultamento de Jesus, Seu túmulo vazio, Suas aparições pós-morte, e a origem da crença dos discípulos em Sua ressurreição. Portanto, o único recurso dele era oferecer explicação alternativa para esses fatos. Assim, ele argumentou que Jesus tinha um desconhecido irmão gêmeo idêntico que foi separado dele no nascimento, voltou para Jerusalém exatamente no período da crucificação, roubou o corpo de Jesus da sepultura, e apresentou-se aos discípulos, que por engano inferiram que Jesus ressuscitara dentre os mortos! Ora, não mostrarei como refutei a teoria dele, mas acho que tal teoria é instrutiva, por mostrar até que distâncias desesperadas o ceticismo deve ir a fim de negar a historicidade da ressurreição de Jesus. De fato, as evidências são tão poderosas que um dos principais teólogos judeus da atualidade, Pinchas Lapide, declarou-se convencido, com base nas evidências, de que o Deus de Israel ressuscitou Jesus dentre os mortos!21
Conclusão
Em resumo, os Evangelhos não são documentos fidedignos somente de maneira geral, mas quando observamos alguns dos mais importantes aspectos de Jesus nos Evangelhos, como Suas radicais afirmações pessoais, Seus milagres, Seu julgamento e crucificação e Sua ressurreição, a veracidade histórica disso tudo irradia. Deus agiu na história, e podemos saber disso.
Notas finais
1 Luke Timothy Johnson, The Real Jesus (São Francisco: Harper San Francisco, 1996), p. 123.
2 A. N. Sherwin-White, Roman Society and Roman Law in the New Testament (Oxford: Clarendon Press, 1963), pp. 188-91.
3 Rudolf Pesch, Das Markusevangelium, 2 vols., Herders Theologischer Kommentar zum Neuen Testament 2 (Freiburg: Herder, 1976-77), 2: 519-20.
4 Veja a discusão em Colin J. Hemer, The Book of Acts in the Setting of Hellenistic History, ed. Conrad H. Gempf, Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament 49 (Tübingen: J. C. B. Mohr, 1989), cap. 8.
5 Ibid., capítulos 4 e 5.
6 Sherwin-White, Roman Society, p. 189.
7 William M. Ramsay, The Bearing of Recent Discovery on the Trustworthiness of the New Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1915), p. 222.
8 David Koresh e Jim Jones foram líderes religiosos que levaram suas seitas ao suicídio coletivo. (N. do T.)
9 C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples, trad. Álvaro Oppermann e Marcelo Brandão Cipolla (São Paulo: Martins Fontes, 2005), pp. 69, 70.
10 Rudolf Bultmann, Jesus (Berlin: Deutsche Bibliothek, 1926), p. 159.
11 Craig Evans, “Life-of-Jesus Research and the Eclipse of Mythology”, Theological Studies 54 (1993): 18, 34.
12 Johnson, Real Jesus, p. 125.
13 Robert Funk, fita de vídeo do Jesus Seminar.
14 Leander Keck, “The Second Coming of the Liberal Jesus?”, Christian Century (Agosto, 1994), p. 786.
15 John P. Meier, A Marginal Jew, vol. 1: The Roots of the Problem and the Person, Anchor Bible Reference Library (New York: Doubleday, 1991), p. 177.
16 John A. T. Robinson, The Human Face of God (Filadélfia: Westminster, 1973), p. 131.
17 Jakob Kremer, Die Osterevangelien–Geschichten um Geschichte (Stuttgart: Katholisches Bibelwerk, 1977), pp. 49-50.
18 D. H. Van Daalen, The Real Resurrection (Londres: Collins, 1972), p. 41.
19 Gerd Lüdemann, What Really Happened to Jesus?, trad. John Bowden (Louisville, Kent.: Westminster John Knox Press, 1995), p. 80.
20 C. F. D. Moule and Don Cupitt, “The Resurrection: a Disagreement”, Theology 75 (1972): 507-19.
21 Pinchas Lapide, The Resurrection of Jesus, trad. Wilhelm C. Linss (Londres: SPCK, 1983).
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