sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Refutando a Revista Galileu e o escritor Bart D. Ehrman…
O QUE JESUS DISSE? O QUE JESUS NÃO DISSE?
Introdução
Todo fim de ano é o mesmo apelo mercadológico com o nome e a pessoa de Jesus Cristo. Este ano, uma das primeiras revistas de grande circulação que resolveu destilar suas conjecturas sobre Jesus foi a Galileu. Com a pergunta: “Jesus foi mal interpretado?”, o articulista da matéria comenta as “mais novas descobertas” do escritor estadunidense Bart Ehrma. Segundo a revista, o escritor em lide escreveu um livro sobre toda a problemática – O que Jesus Disse? O que Jesus não Disse? No conteúdo da matéria temos cosmovisão agnóstica do autor do livro supracitado mais entrevistas feitas a teólogos liberais. Sinceramente, achei o escopo fraco e de uma pobreza franciscana na questão de argumentação! Apesar de todas as supostas revelações serem caducas e redundantes e algumas delas conhecidas até pelos pais da Igreja, entendi que seria importante uma palavra de esclarecimento aos mais leigos.
Lembro-me que alguns anos atrás a questão não era “o que Jesus disse ou não disse”, mas se Ele realmente havia existido como indivíduo histórico. Hoje, com tantas descobertas históricas, arqueológicas, geográficas, filológicas, entre outras, fica difícil argumentarem que o Cristo não existiu. Agora, então a questão seria outra – Já que Ele existiu, então, arvoram, deve ter sido apenas um homem notável e nada mais. E mais uma vez os escritos neotestamentários são devastados (e isso é bom, pois não tememos os fatos).
A verdade é que se aplicássemos as muitas outras fontes históricas os mesmos rigores de que a crítica racionalista e até mesmo a cristã usou no estudo dos evangelhos, um bom número de acontecimentos do passado sobre cuja autenticidade não se levanta dúvida, passaria para o terreno das lendas. No entusiasmo de suas descobertas a alta crítica submeteu o Novo Testamento a provas de autenticidade tão severas, que, se as aceitarmos em outros campos, um cento de verdades históricas, como o Código de Hamurabi, Homero e sua Ilíada, Sócrates e Platão com suas belas conjecturas filosóficas, tudo não passaria do campo da lenda.
Encontramos, é verdade, algumas aparentes divergências em certas narrações contidas nos Evangelhos. Tais divergências, porém, são apenas detalhes e para as mesmas sobram explicações dos exegetas. No caso das conjecturas da Revista Galileu, todas as supostas revelações já foram desnudadas e explicitadas em vários compêndios teológicos que podem ser encontrados em várias livrarias, inclusive livrarias seculares. Ou seja, a argumentação do articulista da revista prova que o mesmo não tem o mínimo de conhecimento teológico da área em que resolveu pesquisar. E isso foi o problemático do conteúdo da matéria, sendo que perguntas bem elaboradas teriam deitado por terra todas as supostas descobertas do autor do referido livro.
Antes das minhas considerações, vem-me a mente as palavras do conhecido historiador francês Joseph Calmette, citado pelo escritor Mario Curtis Giordani: “O historiador (pesquisador) digno deste nome, não pode, com efeito, pense o que pensar em seu fórum íntimo, nem adotar a linguagem do orador de panegírico pronunciando seu elogio do alto da cátedra sagrada, nem o ceticismo do ateu ou do materialista que afasta a priori do seu campo de visão toda a noção de espiritual”.
REFUTANDO AS ACUSAÇÕES DA REVISTA
1º ACUSAÇÃO:
“Copistas distorceram o Novo Testamento para justificar dogmas da Igreja Católica”.
Até parece que a dogmática católica precisa adulterar a Bíblia para defender ou promover uma doutrina exótica e antibíblica. A concepção católica da Bíblia é que a mesma é subjugada pela Igreja e como tal a cátedra Papal possui poderes superiores aos escritos apostólicos. O pensamento católico é o seguinte: “A Igreja canonizou a Bíblia e por isso tem autoridade superior aos escritos sagrados”.
Vejam algumas doutrinas Católicas que não possuem respaldo teológico bíblico:
a) Assunção de Maria;
b) Infalibilidade do papa;
c) Dogma da Imaculada Conceição;
d) Transubstanciação;
e) A “confissão auricular”;
f) O celibato sacerdotal;
g) Idolatria;
h) Água benta e ramos bentos;
i) Mariolatria;
j) Velas nas Igrejas;
k) Reza pelos mortos;
l) Canonização de santos…
Para nenhuma dessas doutrinas antibíblica o catolicismo lançou mão de adulterar a Bíblia. Na verdade a leitura da Bíblia foi proibida aos leigos no concílio de Tolosa em 1222. Ou seja, a primeira acusação não procede às conjunturas fidedignas documentais e históricas.
2º ACUSAÇÃO:
“Só Deus sabe o quanto o verbo foi modificado na Bíblia ao longo dos séculos”.
Atualmente sabe-se da existência de mais de 5.300 manuscritos gregos do Novo Testamento. Acrescente-se a esse número mais de 10.000 manuscritos da Vulgata Latina e, pelo menos, 9.300 de outras antigas versões, e teremos hoje mais de 24.000 cópias de porções do Novo Testamento (02). Nenhum outro documento da história se compara a isso. Temos subsídios suficientes para acreditarmos na confiabilidade da Bíblia como um dos documentos históricos mais importantes da historiografia humana.
Agora, as grandes questões: De que maneira os copistas do mundo todo, de diversas culturas atingidas pela bíblia, em tempos históricos diferentes, teriam orquestrado uma manipulação programada? Como a Igreja Romana teria domínio em todas as Igrejas do mundo para solicitar assim a tal adulteração? (Sem contar a histórica da rivalidade com a Igreja Patriarcal do Oriente). Como aceitarmos uma afirmativa de que não se pode saber a fidedignidade dos textos do Novo Testamento, se os manuscritos do século I ao século XV estão disponíveis ao mundo?
Já se sabe que a variação textual existente é de 5% e que tal variação não compromete a ortodoxia da Igreja, ou seja, o arvorado pela revista foi de uma leviandade sem tamanho! Se tal conjectura partiu do escritor norte-americano, então o seu livro é sem dúvida uma “obra-prima”.
3º ACUSAÇÃO:
“Textos foram inseridos na Bíblia”.
a) – Cláusula Joanina - o texto de I Jo. 5:7 – “Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um” (ARA).
É verdade que poucos são os manuscritos gregos até agora encontrados que contêm a Cláusula Joanina. Mas isto não provaria a sua inexistência. O fato de já terem sido encontrados alguns manuscritos gregos que citam o texto em estudo prova sua existência e nos dá a esperança certa de que outros também existiram, e, quem sabe, poderão até ser encontrados.
Para fortalecer seu argumento, os que omitem o referido texto costumam citar o fato de que Erasmo não a incluiu na 1ª edição de seu Novo Testamento Grego, porque não conhecia nenhum manuscrito grego que a contivesse. Mas, quando isto aconteceu, foi grande a reação dos que já conheciam a existência da Cláusula Joanina, mesmo em outras línguas. Para acalmar os ânimos, Erasmo prometeu que a incluiria nas próximas edições do Novo Testamento Grego, se viesse a conhecer algum manuscrito que a contivesse. Essa promessa foi cumprida na 3ª edição do Novo Testamento de Erasmo, por lhe haver sido apresentado o Manuscrito 61. A relutância de Erasmo para incluir a Cláusula Joanina na 1ª edição do seu Novo Testamento será um argumento a favor da sua inexistência? Ou, ao contrário, é mais uma razão ou prova de sua existência?
Um ponto importante que precisamos salientar é – “seria necessário acrescer este texto para que a doutrina da Trindade fosse corroborada?” É óbvio que não. A Bíblia é muito rica nessa questão e com ou sem esse texto não haveria nenhuma mudança. Tertuliano, no século II, já havia definido bem essa questão e para provarmos isso temos os escritos patrísticos.
Concluindo esse item, podemos ter a certeza que a problemática envolvendo o texto de I Jo. 5:7 nada tem a ver com manipulação do cristianismo.
b) – O texto de Mc. 16: 9-20:
O trecho em análise é citado por escritores dos séculos II e II, como Taciano e Irineu, e teve guarida na imensa maioria dos manuscritos gregos e outros. Sem dúvida, isso é uma prova contundente de que a Igreja aceitou esse texto desde o princípio como fidedigno (03 e 04).
Agora, e se o texto em foco não estivesse nos originais ou não fosse parte do evangelho de Marcos? Com certeza não iria me tornar ateu por causa disso. Também a doutrina cristã não seria alterada em um único milímetro. Eu gostaria de ter aqui espaço para mostrar ao leitor o trabalho que os críticos tiveram para arvorar a mutilação do evangelho de Marcos – é de dar dó! Bem, pra mim não há dúvidas de que o texto de Marcos é fiel aos originais.
c) – O Texto de Jo. 8:1-11
A narrativa tem todos os sinais de ser historicamente veraz. Obviamente é uma peça da tradição oral que circulava em certas porções da Igreja Ocidental, e que, subsequentemente, foi incorporada em vários manuscritos, em diversos lugares (04). Apesar disso, sua canonicidade, seu caráter inspirado e seu valor histórico, no entanto, não sofrem contestação – é fidedigno e bíblico. Tal passagem apenas corrobora com a natureza bendita de Jesus e mostra o ódio em que viviam os doutores da Lei.
Não consigo ver qual o impacto teológico sobre essa problemática, que é conhecida desde o século II. O que alguém ganharia acrescendo o tal texto? Em que isso muda os piedosos ensinamentos de Cristo? O que mais me chama a atenção em toda essa antiga celeuma é que o escritor Bart foi abalado por isso – Por quê? Afinal de contas todo seminarista quando estuda o evangelho de João aprende sobre isso. Há revistas dominicais, feitas pra leigos, que os autores comentam sobre o caso da mulher adultera. Então, em que essa “grande” revelação afetaria o cristianismo?
Bem da verdade, o Sr. Bart não escreveu tal livro para esclarecer, mas com uma índole mercadológica – apenas isso e nada mais, pois não acrescentou nada, mas nada mesmo!
d) – O Texto de Mc. 1:41:
Diz a revista: “Outro exemplo de modificação intencional apontado por Bart Ehrman… Ali é relatado que Jesus cura um leproso… Alguns manuscritos Jesus aparece irado e, em outros, sentindo compaixão… é claro que os escribas cristãos preferiram esta última versão… A Bíblia de Jerusalém… também apresenta a ira… Muitas pessoas se sentem ameaçadas pelas conclusões que apresento… Com isso, as pessoas compreenderam que a fé em Deus não se baseia nas palavras em um livro…”.
Realmente o texto no original indica que há uma incerteza filológica a respeito do texto de Marcos 1:41– irado ou cheio de compaixão. Provavelmente a confusão tenha surgido devido às palavras similares (cf. siríaco, etbraham, “ele teve dó”, com ethra`em, “ele se enraiveceu” (05)). O contexto nos mostra Jesus dispensando um milagre para um pobre leproso, um indivíduo que não tinha nenhum valor para sua sociedade, mas que recebeu atenção do carpinteiro de Nazaré – a tradução não poderia ser outra – “movido de compaixão” e não “irado”.
A revista diz que no verso 41, na Bíblia de Jerusalém, o texto diz que Jesus estava irado, mas não é verdade – “Movido de compaixão, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: Eu quero, sê purificado” (texto extraído na íntegra da Bíblia de Jerusalém em português). Talvez haja uma nova tradução da Bíblia de Jerusalém ou houve uma breve confusão dos editores da Revista. Mas o fato é que os tradutores da Bíblia não foram manipuladores ao escolher, entre duas palavras parecidas, a que mais se aproximava do contexto. Não vejo nada de anormal aqui. A acusação do sr. Bart mais uma vez é fantasiosa e falsa. Também não veja nada de libertador nisso ou de significativo a ponto de fazer desmoronar a fé de alguém.
4º ) ACUSAÇÃO:
“Houve supressões intencionais de textos Bíblicos”
A Revista cita alguns textos bíblicos em quadrados coloridos (Mt. 6:9-13; Rm. 16:7; Lc. 2:33 e Lc. 23:33-34), onde é exposto o texto no original e abaixo uma suposta tradução suprimida de alguma “verdade comprometedora”. Em meu entendimento, o único texto que merece mais atenção é o de Romanos. Os demais são redundantes e qualquer pessoa virá que o defendido pela matéria não faz muito sentido.
– O texto de Rm. 16:7
Diz a revista: texto original – “Saudai Andrônicos e Júnia, meus parentes e companheiros de prisão, eminentes apóstolos”. Texto modificado – “Saudai a Andrônico e a Júnia, meus parentes; também companheiros de prisão, apóstolos eminentes”. Com essa leve alteração, os copistas livram os cristãos do constrangimento de ter Júnia, uma mulher, no meio de um grupo apostólico.
É pueril esse argumento! Explico:
1º) – Júnia é nome de mulher?
Parece evidente que Júnia era nome tanto de homem quanto de mulher no período neotestamentário. O problema é que não sabemos que gênero Paulo o usou em Romanos. Epifânio, o bispo de Salamina em Chipre, menciona Júnia de Romanos 16.7 como sendo um homem que veio a ocupar o bispado de Apaméia da Síria. Concorda com isto o testemunho de Orígenes (morto em 252 D.C.), que num comentário em latim à carta aos Romanos se refere a Júnia no masculino. Então, temos uma saudação a dois apóstolos e não a uma apóstola e um apóstolo. Diante do pressuposto perguntamos – pra que mudar o texto, se o grego pede o contexto no caso do nome em questão? E o que dizer dos testemunhos que apontam Júnia como um homem?
2º) – As traduções protestantes corroboram que Júnia era apóstolo – “Saudai a Andrônico e a Júnias, meus parentes e meus companheiros de prisão, os quais são bem conceituados entre os apóstolos, e que estavam em Cristo antes de mim” (ARA).
3º) – Até mesmo traduções católicas corroboram que Júnia era apóstolo – “Saudai Andrônico e Júnia, meus parentes e companheiros de prisão, apóstolos exímios que precederam na fé em Cristo” (Bíblia de Jerusalém). – “Saudai Andrônico e Júnia, meus parentes e companheiros de cativeiro. Eles são apóstolos eminentes e pertenceram a Cristo mesmo antes de mim”. (Bíblia Edições Loyola).
Mais uma vez a acusação da revista e do sr. Bart é sem fundamentação, aleivosa e risível.
Bart – Um agnóstico
Diz a revista: “A história registra o caso de pelo menos um cristão que abandonou suas idéia sobre religião e Jesus ao tomar contato com essas questões bíblicas. O nome dele é Bart Ehrman – minhas convicções mudaram… nos mais de 30 anos que passei estudando… Logo me tornei um cristão mais liberal. Hoje… sou agnóstico…”.
Em resposta a essa argumentação de Bart, a revista cita um outro estudioso, mais moderado, que afirma que os argumentos de Bart não alteram a fé de ninguém – “de forma geral, a maioria dessas modificações (supostas e questionáveis) ficam apenas na parte externa dos textos, como se fosse uma maquiagem. O importante é que a essência é a mesma. Portanto os cristãos podem continuar acreditando no que lêem… O texto que conhecemos hoje é o mais próximo possível do original” (parênteses meu).
Bart deveria dar ouvidos ao seu colega e pesquisador. E mesmo que a maioria das suas conjecturas estivessem certas (e já provamos que não estão), não justificaria seu abandono da fé. Outro ponto importante de salientarmos é que nenhuma das “descobertas” desse escritor são novas ou que não foram escrutinadas devidamente por outros exegetas. O que posso concluir é que esse escritor não se tornou agnóstico por causa das suas pesquisas, mas por falta de uma experiência intrínseca e subjetiva com Deus.
Conclusão
O Novo Testamento é tão bem documentado que se não tivéssemos nenhum manuscrito grego, ainda assim seria possível reproduzir o seu conteúdo com base na multiplicidade de citações e comentários, sermões, cartas etc. dos antigos pais da Igreja. O volume de material do Novo Testamento é quase constrangedor em relação a outras obras da Antiguidade. Por isso, não resta agora mais nenhuma dúvida de que as Escrituras, principalmente as histórias a respeito de Jesus, chegaram até nós praticamente com o mesmo conteúdo dos escritos originais.
Fico feliz pela provocação feita por matérias desse tipo, pois só assim a oportunidade de falar sobre o assunto aflora.
Quando constato o milagre que Deus fez para que todo esse material (manuscritos e pergaminhos) chegasse até nós, a estrutura da minha fé pessoal torna-se ainda mais robusta e saudável. Sabemos que esse não será o último ataque, mas na adversidade Deus move homens para descobrir a verdade.
Bibliografia Recomendável:
(01) – Mario Curtis Giordani, “História de Roma”, Ed. Vozes, 1º Edição de 1968;
(02) – J. Macdowel, “Evidências que Exigem um Veredito”, Ed. Candeia, 2º Edição de 1992;
(03) – S.E. Mcnair, “A Bíblia Explicada”, Ed. CPAD, 10º Edição de 1992;
(04) – “A Bíblia de Jerusalém”, Edições Paulinas, 1985;
(05) – R. N. Champlin, “O Novo Testamento Interpretado”, Ed. Agnos, Edição de 1998;
06 – Lee Strobel, “Em Defesa de Cristo”, Ed. Vida, 1º Edição de 2000.
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