domingo, 16 de outubro de 2011

EM DEFESA DA INERRÂNCIA BÍBLICA



Pr. Paulo Sergio Batista

A doutrina da inerrância bíblica tem sido uma das mais atacadas dentre as doutrinas cristãs desde o advento da ciência moderna nos séculos XVI e XVII. Críticos, céticos e descrentes de todas as linhas de pensamento têm feito desta objeção a principal arma de questionamento da integridade doutrinária da Bíblia e consequentemente da autoridade do cristianismo como corpo doutrinário verdadeiramente digno de crédito.

Tem sido comum encontrarmos em artigos divulgados pela imprensa secular, e até mesmo religiosa, matérias criticando a autenticidade das declarações bíblicas e pondo-as em dúvida diante das informações adquiridas pelo grande avanço dos métodos científicos nas mais variadas áreas. Geologia, biologia, paleontologia, arqueologia, história, geografia, etc. parecem de forma unânime desconstruir todas as importantes declarações do texto sagrado reduzindo-as a um simples conjunto de fábulas, mitos, ficções ou supostas deturpações de eventos históricos por parte de um povo primitivo de origem incerta que se assentou na antiga Canaã e procurou construir uma identidade nacional, desenvolvendo sua própria “história”.

Mas será que todos os ramos científicos têm desmentido a Bíblia como texto de origem sobrenatural?

Origem da “grande controvérsia”

O “iluminismo” deve ser reconhecido como o grande promotor de uma interpretação de mundo através das lentes exclusivistas do racionalismo, cujo principal aspecto seria o da dissolução dos “mitos” religiosos tão difundidos através do cristianismo medieval, promovido principalmente pelo catolicismo romano. A proposta “racionalista” via a “razão” humana como a única forma de proporcionar um desenvolvimento sadio, conduzindo assim a raça humana a um completo aperfeiçoamento promovido pela razão, contrário à suposta visão “primitiva” legada pelo cristianismo da Idade Média.

O cientificismo (as leis científicas seriam as únicas verdades pelas quais o homem deve julgar toda e qualquer verdade prática no campo do conhecimento) tem sido uma das primeiras causas da negação da doutrina da inerrância bíblica. Uma vez que a visão “científica” exclui completamente a ideia de milagres, não seria de esperar que cresse de alguma forma na doutrina da inspiração do texto autógrafo (original) da Bíblia.

Se a única forma de verificação da verdade são os métodos propostos pela ciência, que são baseados no tripé da “observação”, “teste” e “repetição”, logo, não seria a ciência moderna o veículo ideal de compreensão das verdades que envolvem qualquer tipo de milagre. Se o milagre é o não “comum”, não repetido sistematicamente (senão ele seria o natural), então as leis científicas não poderiam ser a maneira ideal de compreensão de sua causa. Assim, os métodos baseados na ciência ficam sem utilidade objetiva para nos indicar o caminho a seguir para a obtenção de uma clara análise da chamada “inspiração divina” do texto sagrado, sobre a qual se constrói toda a doutrina da chamada “inerrância bíblica”.

Se os únicos métodos de verificação da verdade repousassem sobre o tripé da ciência, então qualquer verdade baseada no testemunho pessoal de alguém que foi o único a ouvir a confissão ou algum relato de um acontecimento histórico ocorrido com um indivíduo que agora está morto não seria uma verdade, visto que não se pode de forma alguma repetir tal evento histórico para determinar sua autenticidade “científica”. Poderíamos negar um fato como verdade pelos simples motivo de não termos como averiguá-lo pelos métodos do tripé científico?

A inerrância e o Senhor Jesus

Jesus via as Sagradas Escrituras como algo inerrante e totalmente desprovido de erros em suas afirmações. Ele declarou categoricamente que a “Escritura não pode falhar” (Jo 10.35), declarou sua plena autoridade doutrinária (Mt 22.29), afirmou a sua plena autoridade profética (Mt 24.15; Mc 7.6) e confirmou sua historicidade (Mt 19.4; 24.37-39).

Jesus também fez questão de exibir em seus discursos um claro peso autoritativo às palavras escritas na Tanach (Escritura judaica) e não apenas aos autores, como alguns defensores da negação da “inspiração verbal” propõem (Mt 26.54; Lc 4.21; Jo 5.39). A autoridade divina está explicitamente declarada no uso constante da expressão grega gegraptai, “está escrito” (Mt 4.10; 11.10; 21.13; Mc 9.12-13; Lc 7.27), indicando assim a plena autoridade do texto sagrado escrito.

A autoridade divina do texto inspirado

O Novo Testamento usa a expressão “ta logia” (os oráculos) para fazer referência ao fato de que a Bíblia seria a palavra de Deus revelada à humanidade (At 7.38; Rm 3.2; 1 Pe 4.11). Sendo Deus perfeito, sua palavra inspirada também deve ser, pois se a inspiração é a parte divina na “parceria” homem e Deus na composição do texto revelado, ela deve conduzi-lo à perfeição no que diz respeito ao texto autógrafo.

Umas das mais significativas afirmações internas da Bíblia acerca de sua irrefutável inspiração são as profecias. Elas apontam de forma especial para uma necessidade de sobrenaturalismo que o materialismo, em nenhuma de suas vertentes ateístas e liberais, pode apagar ou refutar. Somente a Bíblia, entre todos os livros religiosos, possui profecias verificáveis que formam um poderoso argumento a favor de sua origem divina.

Até hoje ninguém conseguiu refutar o livro de Daniel, como tentaram os proponentes da teoria da composição do livro no período dos Macabeus (160 a.C.). Daniel 5.2 aponta para o fato de que o segundo reino que conquistaria a Babilônia seria o império federado medo-persa, sendo portanto esse o segundo reino da profecia, e não o segundo e terceiro reinos respectivamente. Assim Daniel viu cinco reinos (Babilônia, Medo-Persa, Grécia, Roma e o império do anticristo). Se Daniel tivesse vivido no período dos macabeus, jamais poderia ter confirmado o domínio romano em toda terra. Como poderia especular sobre um império inexistente?

Se Daniel fosse uma história transfigurada de profecia e não mencionasse o futuro império do anticristo, nenhuma teoria de composiçaõ explicaria o texto de Daniel 11.45, pois declarar que o texto faz menção a Antíoco Epifânio, e não a um futuro governante, não se encaixaria com as evidências históricas que possuímos acerca deste monarca, pois ele morreu em Tebas, e o texto declara que a pessoa a quem se refere morrerá na região entre “os mares” (mar Mediterrâneo e Morto), nas proximidades do monte Sião. Como poderia o livro ter sido composto depois dos fatos ali registrados e cometer esse suposto erro histórico (se acreditarmos que o texto menciona Antíoco Epifânio)?

Sim, este é um dos mais perfeitos livros proféticos já inspirados por Deus, sendo que Daniel 9.24-27 (as setenta “semanas”) possui uma das mais impressionantes profecias escatológicas. Ali encontramos com riqueza de detalhes a descrição do período do nascimento, ministério e morte do messias, o que jamais poderia ter sido escrito no período dos macabeus, mais de um século e meio antes do nascimento de Jesus de Nazaré. Lançar a composição do livro de Daniel para o período dos macabeus (160 a.C.) não consegue resolver todos os “problemas” proféticos encontrados nele.

Como crer na integridade de um texto sem termos o autógrafo?

Essa é uma das mais delicadas questões relativas à inerrância. Alguns dizem que não podemos crer no texto bíblico porque não temos o original de nenhum dos livros que o compõem. Se não temos o texto original, não podemos acreditar na autenticidade das cópias, dizem.

Este argumento mostra-se inconsistente porque os que fazem uso dele não o aplicam de forma homogênea a toda verificação de textos da antiguidade.

Levando este argumento ao extremo, deveríamos então negar as guerras gálicas de César, as guerras judaicas relatadas por Flávio Josefo, a Ilíada de Homero, a existência de Sócrates, a República de Platão, visto que não chegou até nós nenhum autógrafo dessas obras?

Por que os críticos da Bíblia não descreem de toda a história clássica ocidental, sobre a qual grande parte de nossa cultura e conhecimento foi estabelecida? Poderíamos fazer uma avaliação imparcial da questão dos autógrafos bíblicos sem primeiro atingir completamente outras obras históricas e consequentemente seus autores?

Até mesmo o agnóstico e erudito em transmissão de textos bíblicos Bart D. Ehrman, em seu famoso livro O que Jesus disse, o que Jesus não disse, ao comentar sobre as reais intenções dos copistas cristãos dos primeiros séculos, afirmou: “Pode-se, com tranqüilidade, dizer que a cópia de textos cristãos primitivos era um processo ‘conservador’. Os copistas – fossem eles amadores, nos primeiros séculos, ou profissionais na Idade Média – tinham intenção de ‘conservar’ a tradição textual que estavam transmitindo. Sua preocupação fundamental não era modificar a tradição, mas preservá-la para si mesmos e para aqueles que viessem depois de si. Sem dúvida, a maioria dos copistas buscava fazer um trabalho consciencioso, certificando-se de que o texto que produziram era o mesmo texto que tinham herdado (p. 187, ênfase acrescentada).

Não desejamos aqui negar ou mesmo ignorar os erros de transmissão contidos nas muitas cópias do texto sagrado, mas assim como a crítica textual (ciência que analisa a transmissão de textos a partir da ausência dos autógrafos) não nega a autenticidade de nenhuma das obras históricas e filosóficas mencionadas anteriormente, também não negaria a autenticidade do texto divino, que é a obra antiga melhor copiada, com mais de 5.000 cópias. A obra que mais se aproxima desta cifra é a Ilíada, com apenas 643 cópias.

Sabe-se que há textos em que não temos certeza absoluta do que de fato o escritor bíblico queria dizer (as chamadas “variantes textuais”), mas nenhum deles é de essencial importância para a afirmação ou negação de qualquer doutrina primordial do livro base do judaísmo e do cristianismo.

A biblioteca essênia de Qunram, na região do mar Morto, preservou os textos bíblicos mais antigos que conhecemos. Esta importante descoberta arqueológica do século XX trouxe à luz textos antiquíssimos que, comparados com as cópias mais recentes que possuímos (em alguns casos a lacuna entre a composição das cópias excedia 900 anos), comprovaram o enorme grau de precisão dos antigos escribas na produção das cópias do texto veterotestamentário. Os críticos tiveram de emudecer diante desta fantástica evidência de pureza de transmissão das Escrituras Sagradas.

Até o famoso erudito e perito em crítica textual Bruce Metzger, em sua análise acerca da quantidade de “variantes textuais” da Bíblia, chegou a sugerir que 95,5% do texto que temos em mãos corresponde ao autógrafo. Os quase 5% restantes não representariam nenhuma ameaça ao entendimento de qualquer passagem fundamental da teologia judaico-cristã ou do entendimento doutrinário de qualquer tema essencial das Escrituras Sagradas. Nenhuma “variante textual” põe em xeque qualquer doutrina central da Bíblia. Poderíamos então afirmar que, apesar de não possuirmos o “livro original”, temos quase em sua completa totalidade o “texto original”!

Quem escreveu o Pentateuco?

A ideia de que a composição do Pentateuco se deu num período de vários séculos entre 950 e 450 a.C. (teoria JEDP), proposta pelo erudito Julius Wellhausen em 1878, sendo fruto do uso de várias fontes documentais, até hoje tem sido sustentada pela “erudição” moderna como a explicação mais “racional” para a sua origem. Mas existem evidências internas do conjunto que forma o Pentateuco que criam uma grande dificuldade para a sustentação da teoria de Wellhausen. Vejamos algumas delas.

A teoria sustenta que as formas dos nomes de Deus no Pentateuco indicariam o uso de diferentes fontes literárias na sua composição durante um período que abrangeria desde a monarquia davídica até o período de Neemias (um pouco antes da cerimônia da leitura do livro da lei como relatado no capítulo 8 de Neemias).

Apesar do uso de diversos nomes para Deus ser uma evidência supostamente concreta de que diferentes fontes textuais foram usadas, isso é algo relativamente comum nas culturas próximas de Israel. Osíris, no Egito, é chamado de Wennefer (aquele que é bom), Khentamentiu (o maior dos ocidentais) e Neb-Abdu (senhor de Abydos).

Uma das maiores evidências internas da composição mosaica do Pentateuco é o uso abundante de referências egípcias de cunho agrícola (Êx 9.31-32), da fauna (Dt 14.5, Lv 11.16) e geográfica (Gn 13.10; 13.22), o que seria impossível de ser reconstruído por uma comunidade judaica que nunca esteve no Egito, como a teoria de Wellhausen conclui.

O que também não pode ser ignorado com referência ao fim da composição do Pentateuco num tempo bem posterior ao período sacerdotal, o que contraria a teoria de Wellhausen, é a completa inexistência de qualquer citação à ordem dos escribas (soperîm), o que era de esperar se o livro fosse escrito por essa classe judaica.

Em Gênesis 14 aquela que seria conhecida como a famosa cidade de Davi é chamada de Salém e não de Jerusalém, como seria natural se a obra fosse de origem posterior. Além disso, não há nenhuma menção de Salém como a futura capital política e religiosa do povo hebreu, o que seria comum num texto produzido em período ulterior, no qual esse tipo de “profecia” serviria a propósitos políticos e religiosos de extrema importância.

Sem dúvida, opiniões polêmicas que rompem com as estruturas já estabelecidas acerca deste tema são mais divulgadas na mídia do que qualquer versão que se aproxime da veracidade dos fatos demonstrados. Infelizmente o ceticismo, bem como o liberalismo, tem influenciado de forma perigosa as nossas instituições de ensino teológico, produzindo versões “racionalmente” mais aceitáveis para a mente pós-moderna, porém afastando as pessoas da simplicidade da mensagem das Escrituras e de sua revelação dada pelo Espírito. Pedro nos alerta sobre a importância de respondermos aos questionamentos que são levantados acerca da razão da nossa fé para que possamos ter um testemunho mais influente em nossa sociedade (1 Pe 3.15-16).

Um comentário:

  1. Gostei muito desta explicação sobre a inerrância da bíblia; muito elaborada e com um bom conteudo teólogico

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